Imagem representando um processo seletivo fictício. Há sete pessoas sentadas em frente a uma grande tela onde há um aperto de mãos cibernéticas. Podemos ver as mangas de seus ternos, de modo que elas representem candidatos a uma vaga de emprego. As pessoas sentadas são avaliadores e conseguimos ver apenas suas costas.
Recentemente circulou nas redes sociais e em veículos de mídia tradicional a notícia de que apenas 1% das inscrições para vagas na plataforma Gupy resultam em contratações. O tom de alarde gerou grande comoção e debate em redes como o LinkedIn, onde muita gente apontou para o número como a confirmação de uma percepção pessoal há muito consolidada: de que aplicar para vagas através da plataforma online não resulta em contratação. Afinal, se tendo se inscrito para tantas vagas, não ter sido contratado é o sinal derradeiro de que a plataforma não funciona.
Entretanto, o que será que esta suposta confirmação da crença hegemônica significa? O que significa dizer que apenas “1% das inscrições para vagas resulta em contratação”?
Como ocorre com grande frequência na comunicação de dados e estatísticas, a falta de contexto pode trazer mais confusão do que esclarecimentos para a questão abordada. É preciso compreender exatamente o que este número indica em termos do assunto tratado, bem como ter uma expectativa clara do valor esperado para esta estatística. No nosso caso precisaríamos ter em mãos o número de vagas disponíveis, o número de candidatos e a quantidade de inscrições que cada candidato realiza. Além disso, seria extremamente valioso conhecermos, a partir destes números, um valor esperado para a estatística apresentada. Assim teríamos uma base de comparação para avaliar se a estatística obtida está acima ou abaixo daquilo que esperamos encontrar.
Para melhor compreendermos a questão, é preciso ressaltar que a Gupy é uma plataforma de contratações no modelo conhecido como ATS (Applicant Tracking System). Ela é como um Uber das contratações. Ela une, em sua plataforma, empresas interessadas em realizar contratações e candidatos em busca de uma oportunidade de trabalho, oferecendo uma forma rápida e prática de realizar os primeiros passos da seleção de candidatos para vagas específicas. Com a aplicação de algoritmos de inteligência artificial na leitura e filtragem dos currículos, ela consegue assimilar um grande número de inscrições com muita velocidade. Segundo os dados que a própria empresa divulgou, algumas vagas recebem até 15 mil inscrições, de modo que a única maneira de lidar com este volume de condidaturas é através de um filtro automatizado.
A empresa também divulgou alguns outros números interessantes. Segundo a Gupy, há cerca de 15 milhões de inscrições de 1,5 milhões de usuários todos os meses. O que significa que, grosso modo, cada usuário realiza em torno de 10 inscrições por mês (o número divulgado pela empresa foi de 9 inscrições por mês, desconsiderando os arredondamentos). Contudo, ainda de acordo com os dados publicizados pela empresa, ocorreram em média 100 mil contratações por mês até o final de 2023, o que significa que 100.000 das 15.000.000 inscrições resultaram em contratações. Dividindo o primeiro valor pelo segundo para obter uma estatística percentual, temos o número de 0,67% das inscrições resultando em contratações efetivas (desconsiderando, ainda, que parte destas condidaturas foram realizadas para vagas que ainda estão em processo de seleção e parte para vagas que acabaram sendo fechadas sem contatação).
Agora temos um panorama mais contextualizado do cenário de contratações da empresa. Apesar de não termos o número total de vagas abertas por mês, podemos estimar que, para cada vaga de emprego aberta na Gupy, apenas uma pessoa será contratada. Se cada vaga recebesse apenas uma única inscrição, ou seja, 100.000 contratações de 100.000 inscrições, teríamos uma taxa de 100% de inscrições convertidas em contratações. Portanto a chave para entendermos o que o número de “menos de 1%” realmente significa está justamente na relação entre o número de vagas com contração e o número de inscrições.
Um dos principais papeis da Gupy é justamente amplificar o acesso às incrições e facilitar o processo de candidatura. Portanto é esperado que haja um número bastante alto de inscrições por vaga. Em nosso caso são 15.000.000 inscrição para 100.000 vagas, considerando apenas as vagas que foram preenchidas. Isto resulta em 150 inscrições para cada vaga, em média. Como apenas uma dessas 150 inscrições será efetivada, temos novamente a taxa de 0,67% de contratações, o que sozinho não significa muita coisa, afinal não representa necessariamente a eficiência do processo de seleção da plataforma, nem qualquer outro aspecto a não ser a enorme taxa de candidaturas por vaga na plataforma.
Em outras palavras, sozinha a afirmação de que “menos de 1% das inscrições na Gupy resultam em contratação” não significa muita coisa, apesar de ter sido usada para re-afirmar a crença dos leitores de que a Gupy é uma plataforma extremamente ineficiente em seu processo de seleção e que as condidaturas realizadas por lá não resultam em contratações. Este número apenas representa a altíssima concorrência por vagas em uma plataforma que se dedica a ampliar e simplificar o acesso a candidaturas para vagas de emprego.
Talvez uma relação mais informativa da eficiência da Gupy fosse o percentual de vagas que são preenchidas, o tempo médio de preenchimento de vagas (e ainda assim, este pode ser um valor extremamente propenso aos efeitos das idiossincrasias das vagas em diferentes setores), a quantidade de candidatos que já foram contratados através da plataforma, etc.
Este é um caso clássico de como algumas estatísticas descontextualizadas podem ser usadas para conduzir o público a uma determinada compreensão do cenário que está sendo avaliado. É claro que há inúmeras ressalvas e críticas a serem feitas a processos seletivos aplicados de forma tão automatizada e nos moldes utilizados pela Gupy e outras empresas de ATS. Contudo o número apresentado nas matérias e repercutido por inúmeros pessoas em redes sociais apenas revela o cenário de enorme concorrência que estamos presenciando e não a eficiência da empresa.
A alfabetização em dados nos faz encarar números como estes com um pouco mais de cautela, dando um passo atrás para compreender o contexto geral em que ele se insere antes de tirar conclusões cabais sobre seu significado.


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