O problema de Monty Hall e como interpretamos probabilidades

O problema de Monty Hall

O problema de Monty Hall é um exemplo famoso de como lidar com probabilidades não é uma tarefa fácil e intuitiva para nosso sistema cognitivo. Esse problema surgiu em um programa de televisão dos anos 1970 nos EUA chamado Let’s Make a Deal.

Nele, Monty Hall, o apresentador, apresentava ao participante 3 portas. Atrás de uma delas estava um carro e atrás das outras 2 estavam bodes. A regra do jogo é simples: o participante deve escolher uma porta. Se escolher a que esconde o carro, pode levá-lo como prêmio. Agora, se escolher uma das portas com o bode, não leva nada. A pegadinha do jogo estava em que, a partir do momento em que o participante escolhia uma porta, Monty Hall (que obviamente sabe qual é a porta do carro) abria uma das outras 2 não escolhidas com um bode atrás e perguntava ao participante: “você quer trocar de porta?”

E aí, você trocaria?

Nosso sistema cognitivo e a interpretação de estatística e probabilidades

O psicólogo e ganhador do Nobel de Economia Daniel Kahneman detalha no livro “Rápido e Devagar” como muitos anos de pesquisa em economia comportamental e psicologia levou à identificação de dois “sistemas” (denominados Sistema 1 e Sistema 2) de pensamento em nosso processo cognitivo. Os sistemas nada mais são, obviamente, do que uma representação simplificada de complexos processos neurológicos que ocorrem em nosso cérebro quando nos deparamos com determinadas situações. O que chamava a atenção dos pesquisadores era como em ocasiões como quando nos perguntam quanto é 2 + 2 ou quando detectamos um tom de raiva na voz ou expressão facial de alguém isso é automático e instintivo para nós, mas quando precisamos calcular 17 x 54 ou manobrar o carro em uma vaga apertada, é como se nosso cérebro demandasse uma carga muito maior de energia. Em muitos casos torna-se impossível fazer qualquer outra tarefa que não aquela que está demandando maior esforço cognitivo.

Essa é a essência da diferença entre os Sistemas 1 e 2. O Sistema 1 opera de maneira rápida, automática e com pouco ou nenhum esforço, e não requer uma atenção consciente significativa para funcionar. Ele é responsável por nossas reações imediatas e instintivas, como o reconhecimento de objetos familiares, a compreensão da linguagem e a leitura de expressões faciais emocionais. Este sistema nos permite fazer julgamentos rápidos e tomar decisões sem ter que parar e analisar cada detalhe, uma habilidade que foi crucial para a sobrevivência humana ao longo da evolução (pense em nossos ancestrais na savana – ao ver um leão se aproximando a reação de fugir imediatamente levou muito mais à sobrevivência do que aqueles que ficaram refletindo sobre o que fazer). No entanto, apesar de sua eficiência, o Sistema 1 é também onde muitos de nossos vieses e erros de julgamento se originam, pois ele depende de heurísticas e associações rápidas que nem sempre são corretas.

Já o Sistema 2 é o modo de pensamento mais lento, deliberativo e analítico. Ele é acionado quando nos deparamos com tarefas que requerem atenção concentrada, como resolver problemas matemáticos complexos, avaliar opções em uma decisão difícil ou aprender uma nova habilidade que não nos é familiar. O Sistema 2 requer um esforço consciente significativo e consome mais recursos energéticos do nosso cérebro, o que muitas vezes nos leva a sentir cansaço mental após períodos prolongados de uso. Ele é capaz de controlar e corrigir as impressões e intuições do Sistema 1, oferecendo uma forma de pensamento mais confiável e menos sujeita a erros, desde que tenhamos a disposição e a energia para ativá-lo.

Trocar ou não trocar de porta?

No contexto do Problema de Monty Hall, o Sistema 1 pode nos levar a uma conclusão rápida e intuitiva de que as chances são iguais, independentemente de trocarmos de porta ou não, após uma das portas ser aberta pelo apresentador. Essa reação imediata baseia-se na percepção superficial de que, com duas portas restantes, as chances devem ser de 50/50. No entanto, é o Sistema 2, com sua capacidade de parar e analisar a situação mais profundamente, que nos permite compreender que a probabilidade de ganhar realmente aumenta de 1/3 para 2/3 se optarmos por trocar de porta. Se ainda estiver difícil compreender por que é melhor, considere a tabela a seguir:

Temos 3 possíveis cenários. O primeiro deles (em que escolhemos acertadamente o carro) é o único em que sairíamos perdendo; nos outros 2 ganharíamos o carro ao trocar de porta, por isso a probabilidade é de 2/3.

Outra forma de enxergar o resultado seria simular um número elevado de jogos assumindo a troca da porta. Fazendo-se isso obtemos o seguinte gráfico, em que podemos ver que com um número elevado de jogos a probabilidade simulada atinge o valor da probabilidade teórica de 2/3 (veja no Anexo no fim deste texto o código em Python para realizar esta simulação):

Este é um exemplo perfeito de como o Sistema 2 pode nos ajudar a superar as limitações do Sistema 1 e alcançar uma melhor compreensão das probabilidades envolvidas, desafiando nossa intuição inicial e guiando-nos a uma decisão mais informada.

Conclusão

Para ilustrar como o raciocínio intuitivo sobre probabilidades muitas vezes nos leva a erros, consideremos o ressurgimento do Problema de Monty Hall, que voltou aos holofotes cerca de duas décadas após sua estreia televisiva. Na década de 90, Marilyn vos Savant, detentora do recorde de QI mais elevado à época, enfrentou um dilúvio de contestações em sua coluna “Ask Marilyn” em uma revista após afirmar que trocar de porta aumentava as chances de vitória. Entre os seus detratores, estavam doutores em matemática, pessoas cuja formação, em teoria, deveria torná-las imunes a tais erros intuitivos. Isso nos mostra que a capacidade de se apegar a crenças confortáveis e familiares não é uma falha de poucos, mas uma característica intrínseca da condição humana.

A resistência à conclusão de Marilyn vos Savant remete a uma frase de Daniel Kahneman em “Rápido e Devagar”, em que ele observa:

“Sustentar uma dúvida é um trabalho muito mais árduo do que passar suavemente a uma certeza”.

Este fenômeno não se limita a jogos e entretenimento; permeia todas as nossas decisões, desde as mais mundanas até as que carregam consequências significativas. A preferência do nosso Sistema 1 por respostas rápidas e conclusões fáceis pode nos levar a superestimar a probabilidade de eventos que nos pareçam favoráveis e subestimar seus riscos.

Ao reconhecer e entender as limitações do nosso raciocínio intuitivo, deixa claro a importância de cultivar uma mente mais questionadora e analítica, não nos contentando com a primeira resposta que nos vem à cabeça, mas procurando ativamente por erros e alternativas. Ao fazer isso, não apenas melhoramos nossa habilidade de tomar decisões mais informadas e fundamentadas, mas também nos tornamos mais conscientes das armadilhas que a nossa própria mente pode criar ou cair.

Anexo

Código em Python para simular os jogos de Monty Hall.

import numpy as np
from matplotlib import pyplot as plt
import random
from random import seed

seed(100)
portas = [1,2,3]
Nmax = 2000
P = [] # armazena a fração de vitorias
vN = [] # armazena o numero de jogos

for N in np.arange(1, Nmax,10):
vitoria = 0
derrota = 0
for i in range(0,N):
C = random.choice(portas) #coloca o carro em uma porta
X = random.choice(portas) # seleciona uma porta
if (C!= X): # se carro não está na porta selecionada
# 0 apresendador irá abrir outra porta que tem o bode.
# Trocando a porta, ganha-se o carro.
vitoria += 1
P.append(vitoria/N)
vN.append(N)

plt.figure(figsize=(12,8))
plt.plot (vN, P, 'ro-', label='Simulação: Muda a porta')
plt.axhline(y=2/3,color ='red', label='Prob. teórica com mudança de porta')
plt.ylim(0,1.05)
plt.legend()
plt.show(True)

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